BIOGRAFIA

BIOGRAFIA DE MESTRE NOZA - Por Renato Casimiro


“Se você me perguntar como foi que eu aprendi essa arte, eu digo assim: Foi uma velha que me ensinou a ‘precisão’, porque quem não quer roubar e não quer se empregar, inventa muita coisa”.
                                                                                         Mestre Noza

            Em agosto de 1996, tentado muitas vezes por amigos, resolvi iniciar uma atividade regular escrevendo para jornais. E no Folha da Manhã que circula em Juazeiro do Norte, diariamente, iniciei uma série de 40 artigos. O primeiro deles era exatamente dedicado a Inocêncio da Costa Nick, o nosso muito querido Mestre Noza. Pretendo, portanto, utilizar aquele artigo para estruturar este relato, a título de depoimento. E espero possa ser ele de alguma valia para os que desejam conhecê-lo mais de perto. O motivo que me levou a escrever sobre Noza foi a publicação no  jornal O Povo (31.07.96) destacando em sua memória, há 30 anos, o pernambucano Inocêncio da Costa Nick,  por ter recebido uma carta de Paris, assinada por Robert Morel, a respeito da edição do volume contendo a sua conhecida Via Sacra. Há vários anos, tive oportunidade de adquirir, num sebo de Fortaleza, diversos exemplares deste livro, com o qual presenteei alguns amigos. Infelizmente não guardei um comigo, tendo legado ao acervo do Instituto José Marrocos de Pesquisas e Estudos Sócio- Culturais - IPESC/URCA, o último exemplar, hoje muito raro. Recentemente em Paris, procurei, feito um condenado, em muitos antiquários, pelo paradeiro desta obra, tendo inclusive feito alguns contatos para localizar Robert Morel. Por último, soube, de informação do Sérvulo Esmeraldo, que o Morel havia falecido. O livro, finalmente, eu o consegui numa livraria, localizada através da internet.  Quem foi Mestre Noza ? Quando nasceu ? Quem já leu alguma coisa sobre Mestre Noza terá encontrado esta dificuldade em firmar esta efeméride. Senão vejamos: Roberto Galvão, em seu apreciado  “Uma Visão da Arte no Ceará”  informa que Noza nasceu em Taquaritinga (do Norte), PE, em 1897; chegou a Juazeiro em 1912 e morreu em São Paulo em 1984. Em diversas ocasiões pude constatar uma certa discordância quanto a data de seu nascimento. Costella, por exemplo, cita “por volta de 1897”. Outros citam 1894 (FUNARTE). De qualquer modo, ficamos com 1897 por ser a mais provável, e à espera de um documento mais consistente, como uma certidão de nascimento, ou de batismo, oriunda da sua diocese e que confirme definitivamente a data e outros dados. “Zefa”, Josefa Francisca da Silva, sua colaboradora, ainda hoje residente em Juazeiro do Norte, à Rua Carlos Gomes,  me informou recentemente que Mestre Noza sempre se referia ao mês de setembro como sendo o do seu nascimento. Outro fato interessante, revelado por sua filha Maria Luiza, é que seu nome, originalmente, era Inocêncio Medeiros de Oliveira, e foi ele mesmo quem promoveu a mudança para Inocêncio da Costa Nick, alegando pertencer a esta família, em Pernambuco.   Entre 1975 e 1977, mantive um contato freqüente com o artista, tendo ido sempre ao seu atelier, instalado na Rua Santo Antonio, 265,  num sobradinho apertado e com uma escadinha de difícil acesso. Eu me lembro que conhecera Noza na Tipografia São Francisco, de José Bernardo da Silva, apresentado por Maria de Jesus, mãe de Stênio Diniz, o xilógrafo e poeta cordelista. Fiquei curioso e um dia fui lá visitá-lo, pela primeira vez, em companhia de Cícero Antonio Alves, então secretário de turismo da prefeitura. Ali ele trabalhava auxiliado por duas moças, “Zefa” e “Loura” - Íris Dália Medeiros, hoje trabalhando no comércio de Juazeiro, na empresa MACOL,  que ele tratava como filhas, e o ajudavam nos trabalhos mais volumosos - cabos de revólver e a inconfundível estatueta do Padre Cícero. Contudo, a primeira auxiliar do Noza havia sido “Lia”, Maria Francisca da Silva, irmã de Zefa. Na verdade, “Zefa” e “Loura” tornaram-se pessoas muito importantes para o Noza, pois aprenderam a esculpir estátuas com o mesmo entalhe rústico que caracterizava seus trabalhos. Nesta época, Noza já um tanto alquebrado pelos anos, cuidava mais do acabamento e não mais fazia a peça por inteiro, cuidando de detalhes como a cabeça. O sobradinho que servia de atelier ao Noza continha na sua parte superior um quartinho que talvez não fôsse mais que uns nove metros quadrados, tendo ao lado um pequeno banheiro. O acesso era por uma escadinha em madeira, muito íngreme. Para escalá-la era necessário algum esforço e tínhamos que nos segurar numa grossa corrente de ferro. Presa a esta corrente havia uns chocalhos que anunciavam a nossa chegada. As instalações eram muito simples. Para os visitantes havia uns banquinhos de ferro e assento de fios de plástico. Havia um velho cofre junto a porta do banheiro e sobre ele uma balança. Pelas paredes algumas prateleiras com peças inacabadas e alguns objetos pessoais, algumas fotografias nas quais aparecia com estrangeiros, uma imagem do Padre Cícero feito medalhão em gesso, o seu insubstituível chapéu preso a um armador, um retrato de Lampião, e um relógio dos antigos.  Duas janelas abriam o atelier para a rua, e numa delas, quase sempre, estava lá uma estatueta do Padre Cícero, de uns 50 centímetros, como se aquilo identificasse a oficina. E de fato identificava. Os instrumentos de trabalho do Noza eram extremamente simples. Eram canivetes, serras, machadinhas, formões, limas, etc. A única ferramenta de maior porte era um conjunto de duas furadeiras montadas num velho pé de máquina de costura Singer. Neste ambiente, Noza passava o seu dia de trabalho sentado numa cadeira de balanço. Pela pequena sala, ainda havia um espaço apertado para suas duas auxiliares, além de um pequeno armário e diversos toros de sua madeira preferida - imburana, espalhados pelo chão. Eram instalações precárias. Um dia, pelas chuvas intensas da temporada, em 1974, o prédio ruiu e tudo foi abaixo. O Sr. João Dantas, um amigo de Noza e que residia bem próximo, promoveu com alguns amigos a restauração do sobradinho. Vários comerciantes contribuíram financeiramente com as obras. Enquanto se fazia a reforma da oficina, João Dantas cedeu um imóvel, na confluência das Ruas Padre Cícero e Santo Antonio, a poucos metros da oficina, onde, por 4 ou 5 meses, Noza, Zefa e Loura continuaram trabalhando. Noza se vestia simplesmente. Gostava de camisa de manga comprida. Aos domingos era mais esmerado e, pela manhã, o encontrávamos passeando pelas ruas, bem vestido e até com algum perfume. Uma vez perguntei-lhe se era a roupa da missa do domingo, ao que me respondeu que era a do domingo e que missa costumava não ir. Contudo, sua crença era com Nossa Senhora das Dores, por cuja devoção o fazia carregar o rosário no peito. E o santo padrinho, Padre Cícero, por inspiração de quem veio ter ao Juazeiro, aí por 1912, aos 15 anos de idade. Veio de romaria, uns 600 km a pé, desde Quipapá, onde se criara, em Pernambuco. Desta data em diante, sem que se possa precisar os períodos, Noza foi soldado de polícia, trabalhou na Estrada de Ferro (Rede Viação Cearense) que chegava ao Cariri. Até que foi parar na arte de funileiro, pelas mãos de mestre José Domingos. Iniciou-se como escultor realizando um São Sebastião que muito lhe agradou. Daí, começou a ilustrar capas de literatura de cordel. Conforme registra Robert Grélier, a primeira ilustração feita por Noza para um verso de cordel foi encomendado por José Bernardo da Silva, para o verso de José Pacheco - A Propaganda de um Matuto com um Balaio de Maxixe. Esta capa mostrava uma mulher sentada numa cadeira, um homem com uma cesta de maxixes na cabeça, um “diabo” dando esmola a um velho sertanejo. Nascia, assim, o encontro da xilogravura do Juazeiro com a literatura de cordel que, desde os anos 20, até esta data vem existindo como um dos momentos mais importantes da cultura popular do Cariri. Outro nome que pontificava como grande ilustrador de cordel era João Pereira da Silva, para diversos títulos da Tipografia São Francisco. Bem mais recentemente, Abraão Batista, por exemplo, é uma síntese desta associação, sendo ele mesmo o autor dos versos e o entalhador de suas capas.  Parece ter sido Noza o pioneiro desta arte, conforme afirma Aleixo Leite Filho, embora reconhecendo que Walderêdo Gonçalves foi o primeiro a se identificar, assinando as capas que produzia. O excelente trabalho de Geová Sobreira - Xilógrafos de Juazeiro, revela pelo menos oito destas capas, feitas por Noza, para os versos de Sevirino Milanês, João Melquíades Ferreira da Silva, João Martins de Athayde, Joaquim Batista de Sena, José Martins dos Santos e José Pacheco, dentre outros. O que mais identificava a arte do Noza era a estatueta do Padre Cícero. Segundo ele, havia muitos santeiros no Juazeiro, ainda no começo do século. Ele foi o primeiro a fazer uma estátua do padrinho. Um dia, foi até a casa dele e apresentou a melhor que lhe pareceu ter feito. O Padre Cícero, espantado, perguntou-lhe, de imediato:  - Menino, eu já tenho esta corcunda assim ? Noza confirmou, balançando a cabeça, ouvindo a seguir a aprovação de sua arte. Consta que nunca mais parou. Ele revelaria a Sílvia Coimbra que, entre 1974 e 1975, teria feito, somente para um comerciante do Mercado Central de Juazeiro do Norte, Sr. Pedro Gomes, que tinha uma loja em frente ao antigo Cine Eldorado, cerca de 2.000 peças. Bem humorado diria: - “Minha roça é o Mercado”. De Noza há muitas estórias. Quem quer que o tenha conhecido saberá contá-las aos montões. Como Geová Sobreira, que nos diz: “Lá costumava ficar horas e mais horas em conversa com o Mestre Noza. Era conversa lenta, miúda, demorada, como se estivéssemos examinando os próprios pensamentos. Conversinha lerda de quem aprendeu a falar tangendo boi pelas veredas sinuosas do sertão. Mas era conversinha viajeira. Certa vez, disse o Mestre Noza - “imburana é como gente sem bondade. Para onde se leva o canivete, ele vai bem, macio, sem levantar fibras”. Prossegue Geová Sobreira narrando: “O mestre Noza passava pelo bar do Moura, por volta das 21:00 horas. A primeira sessão do Cine Eldorado terminava às 20:30 e ele subia a pé, numa marcha compassada e viajeira em busca da Praça da Estação, que era sua primeira e invariável parada. No bar do Moura, ele parava para dois dedos de prosa, se o ambiente estivesse tranqüilo e sossegado. Ele não bebia e nunca se sentava. Conversava em pé para não se demorar porque sua caminhada pela noite era longa. Algumas vezes, o Mestre Noza decidia dar uma passadinha e uma olhadela na feira da “Cidade Perdida”, uma área contestada pelos proprietários, que o povo incorporou ao plano urbano de Juazeiro e era quase toda cercada de arame farpado. Lá se dava, à noite, uma feira típica e movimentada de “troca-troca”, sem circular dinheiro, de produtos e objetos da região. Trocava-se duas rapaduras por um punhal prateado e uma bicicleta por uma porca com seis porquinhos recém-nascidos e famintos. Era torvelinho humano, um verdadeiro mercado turco. Subíamos da “Cidade Perdida”, Mestre Noza e eu, para o Pirajá, na época todas as ruas de areia solta e fina, bairro que começava e para lá as autoridades municipais haviam transferido o baixo meretrício. Os pontos mais freqüentados eram o chalé de Luzia ou a boate de Chica Grande. Fui saber, depois de muitas noites caminhadas, que o Mestre Noza era membro do Juizado de Menores e lá ele observava se tinha algum menor perambulando ou bebendo com alguma  mulher da vida livre. E lá pela madrugada, ou mesmo noite velha, ficávamos conversando a respeito dos antigos artesãos de Juazeiro, e a história fluida, rememorada ao sopro da brisa que desce do Aracati, amenizando os sertões cearenses”. Noza, entre os anos 50 e 60 foi membro do juizado de menores no Cine Eldorado. Diversas vezes manifestou sua gratidão à família Bezerra de Menezes por ter-lhe conseguido esta função, pois foi nela que veio a obter sua aposentadoria. Financeiramente, Noza tinha duas outras pequenas gratificações, à base de um salário mínimo da época: uma era recebida da Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte, e outra vinha do Governo do Estado do Ceará, que ele recebia na Delegacia local da Secretaria da Fazenda. O encargo de membro do juizado de menores fazia de Mestre Noza um andarilho pelas noites do Juazeiro. A essas andanças pela noite o Mestre Noza assim se referia a Oswald Barroso: “Penso que na outra encarnação eu era um bicho da noite. Um bicho branco e muito bonito, reluzindo no escuro, andando nos caminhos sem fim da mata e entrando pelas ruas esquecidas da cidade”. Por estas caminhadas conheceu sua primeira mulher, Luiza. O casal não teve filhos e decidiu adotar Maria, ainda hoje residente em Juazeiro do Norte, no Bairro do Romeirão. Com a morte de dona Luiza, Noza casou com Antonia e desta união nasceu Doraci (Dora), que fixou residência em São Paulo. Segundo Zefa, Noza teve dois outros filhos com uma outra mulher que nunca se identificou. Noza residiu com Luiza e, posteriormente com Dona Toínha, numa modesta casa, na Rua Santo Antonio, mais abaixo do seu atelier. Não suportando os maus tratos de Antonia para com sua filha adotiva, Maria, Noza decidiu separar-se e passou a morar no sobradinho do atelier, aí ficando até viajar para São Paulo. Noza não se confessava um conquistador. Apenas referia que na mocidade fora mais atirado. Chegou a roubar uma moça, pelas bandas do Jardim(CE), pois tinha coragem para esta façanha e queria demonstrar ao pai da jovem. Não entrou para o bando de Lampião porque na hora teve medo do que lhe reservava o futuro naquele grupo. Mas, lembra que chegou a tomar uma cervejinha junto ao bando de Virgulino Ferreira da Silva, quando de sua passagem pelo Juazeiro, hóspede do poeta João Mendes de Oliveira, no sobradinho da Rua Boa Vista. A minha relação com Noza foi somente através das visitas em seu atelier. Numa delas, encontrei-o acabando uma estátua de um santo qualquer, não recordo. Para mim foi uma surpresa. Eu acreditava que não fora a Via Sacra e o Padre Cícero, sua produção fosse limitada. Observando este fato, solicitei-lhe que  me atendesse numa encomenda vultosa, de muitos santos, mais de 100. Imaginei que isto o levaria a realizar inteiramente todas as esculturas. Infelizmente, a maioria, vista por trás, guarda a semelhança com um Padre Cícero visto pelas costas, com  a cabeça ligeiramente inclinada para o lado direito. Isto era o resultado do aprendizado de “Zefa” e  “Loura”, que já faziam parte das peças. Como a maior solicitação era de estátuas do Padre Cícero, Noza apanhava uma ou outra e lhe dava um acabamento que mais se identificava com um dos santos solicitados Contudo, em diversas delas não foi possível reproduzir o Patriarca do Juazeiro. São os casos de S.Sebastião, de N. Sra. do Perpétuo Socorro, etc. Assim, já morando em São Paulo, recebi cerca de 59 santos, além da Via Sacra e um Jesus Crucificado que perdi por aí. Paguei ao Noza, regiamente, porque sempre deplorei que sua arte fosse tão mal remunerada e vivesse quase a implorar a caridade pública. Até uma operação de hérnia foi uma batalha difícil, não fora a caridade de um cirurgião do Pronto-Socorro de Juazeiro. Guardo desta convivência passageira algumas frustrações. A primeira delas é que havia adquirido uma Via Sacra em tacos de 15 centímetros. Stênio Diniz me convenceu de que o melhor que poderíamos fazer pelo Noza era meter em sua cabeça que  não mais vendesse tacos, e sim cópias de impressão tipográfica que se faria na gráfica de Zé Bernardo. Terminei por devolver-lhe a coleção. Pouco tempo depois soube que o Noza vendera o conjunto das 15 peças ao primeiro gringo que lhe aparecera. Nada a dizer desta sua atitude, pois o Noza vivia mesmo só de sua arte. Um dia ele me comunicou que não mais faria as estatuetas solicitadas, porquanto era um serviço mais demorado e atrapalhava os pedidos mais insistentes dos comerciantes de artesanato. Aí paramos e ainda hoje guardo esta coleção, com 59 peças, que espero torná-la pública, conforme entendimentos preliminares já mantidos com técnicos da Secretaria de Cultura, do Governo do Estado do Ceará. A relação completa deste acervo está apresentada no final deste texto. Em 1997 nós celebramos, modestamente o centenário de Mestre Noza. Uma das grandes diferenças foi não tê-lo mais entre nós. Em muitos anos de sua existência, Noza foi objeto de estudos em universidades, até européias, e muito se escreveu sobre sua vida e obra, sendo até verbete no conhecido dicionário de artes plástica no Brasil, de Roberto Pontual.  Suas obras mais conhecidas são os álbuns: Via Sacra (15 pranchas), editado em Paris, por iniciativa de Sérvulo Esmeraldo, em 1965; A Vida de Lampião (22 pranchas), Os Doze Apóstolos (13 pranchas), editados pela Universidade Federal do Ceará, entre 1976 e 1979; Tacos de ilustração de capas de literatura de cordel (pelo menos 8 registrados por Geová Sobreira)  e certamente milhares de peças espalhadas pelo mundo afora, das quais a maioria é constituída de estatuetas do Padre Cícero, com dimensões de 10 a 70 cm, ao que parece. Recentemente, Sérvulo Esmeraldo, em artigo no jornal O Povo, ofereceu um depoimento importante acerca dos seus contatos com Mestre Noza, e principalmente como conseguiu para a UFC as peças acima referidas, bem como sobre a edição da Via Sacra, em Paris.            Anos atrás, em 1984, já muito adoentado, transferiu-se para o convívio de suas filhas  Dora e Maria, residentes em São Paulo. E lá veio a falecer em 1983. Sobre esta mudança, Zefa, dá o seguinte depoimento, segundo o qual, Mestre Noza não queria ir para São Paulo. Ele dizia: “São Paulo é o purgatório dos vivos. Nunca vou lá. Prefiro morrer numa calçada do Socorro”. Sua filha, Dora, teve que inventar uma viagem para ir visitar uns parentes da Zefa, em Icó. Mas, na verdade, tomaram um ônibus para São Paulo. Quando ele chegou lá e percebeu que havia sido iludido pela própria filha, ficou furioso. Mestre Noza não tolerou o frio paulistano e  daí veio o agravamento de seu estado de saúde e o seu falecimento. Mestre Noza faleceu às sete horas e dez minutos do dia vinte e um de dezembro de mil novecentos e oitenta e três, na Rua Luiz Lustosa da Silva, 69 – Bairro de Santana, São Paulo, SP. Foi caracterizado no atestado de óbito como de cor branca, escultor, natural de Garanhuns, PE, domiciliado e residente à Rua Emile Venharem, 146, Vila Maria Alta, São Paulo, com 91 anos de idade, estado civil casado, filho de Jovina Alves da Conceição. Para este atestado de óbito foi o declarante o seu neto Adalto Costa Guedes, sob o número 42235, de posse de um atestado de óbito emitido pelo Dr. Valmir Claret Fedrigo, que deu como causa mortis uma parada cárdio-respiratória. Esta certidão de óbito foi passada no Cartório do Registro Civil de 8º Subdistrito de Santana, São Paulo, SP. Mestre Noza, ou como consta no atestado de óbito – Inocêncio Medeiros da Costa foi sepultado no cemitério da Vila Nova Cachoeirinha, São Paulo. Pela certidão de óbito, Mestre Noza deixou viúva Antonia Pereira de Oliveira, e uma filha, Doraci, com 54 anos de idade, não deixando bens nem testamento. Alguns anos depois, conforme declarações de seus familiares, seus restos mortais foram exumados pelo serviço funerário da cidade de São Paulo, e foram colocados em um saco plástico e mantidos num ossário da municipalidade de São Paulo, até que fossem reclamados pela família. Não acontecendo isto, o procedimento foi o previsto de legislação municipal, com o sepultamento em vala comum. Desaparecido do cenário do Cariri, Mestre Noza nunca deixou de ser a grande inspiração para a arte popular da região. É certo que esta mais nova fase da xilogravura, e de resto o artesanato em madeira, não se liga muito no quão valioso emanou do trabalho de Noza, alicerçando o panorama atual. Os novos valores que vão surgindo, certamente, desconhecem quem os precedeu e quanto contribuiu para a projeção do que hoje Juazeiro apresenta. Como ressalta Estrigas, era o Noza, como o mais antigo, a nuclear diversos focos de atividades culturais no Carirí, sobretudo na nova xilogravura onde pontificam nomes como Stênio Diniz, José Lourenço, Abraão Batista, Francisco Correia Lima, João Pedro Carvalho Neto, José Marcionilo Pereira Filho, Cícero Vieira, Elosman de Oliveira Silva, Antonio Leite Fernandes e outros. É preciso ver de perto os tacos que ilustraram diversos folhetos de literatura oral popular(cordel), Os 12 Apóstolos, A Vida de Lampião, a Via Sacra, além de tantas estatuetas que dedicadas aos santos de sua veneração, também eram feitas para corporificar o seu rico imaginário e que percorria figuras populares como a Beata Maria de Araújo, Antonio Conselheiro, Lampião e Maria Bonita, além de tipos sertanejos simples que Noza perpetuou num entalhe inconfundível em pedaços de imburana. Eram peças com um certo caráter de rusticidade, sem acabamento esmerado, sem lixa e sem pintura, como aliás ele chegara a fazer, há muitos anos passados. Os franceses, que o descobriram através da Via Sacra, impressa em Paris, e que o procuravam frequentemente, o aconselhavam a manter este estilo. E ele assim se conservou. Achava mesmo uma “graça” (o riso e o benefício) a vinda desta gente européia para conhecer sua arte. Eles chegavam no sobradinho, agarravam a corrente, fazendo tocar os chocalhos e já iam gritando: francês ! francês !             Faz pena ver que sua memória não é algo de permanente em nossas vidas. Não fora a iniciativa de Abraão Batista, nomeando uma modesta galeria que recebe o seu nome, no Centro Artesanal, na antiga cadeia pública da Rua São Luiz, quase nenhuma lembrança restaria. As estatuetas do Padre Cícero não mais existem com a assinatura (ora Nosa, ora Noza), ao pé. Cada dia mais, como uma recordação subliminar deste fato, mais e mais escultores vendem suas obras aos romeiros e a tantos turistas. Nunca me iludo: Noza está vivo no trabalho de cada um destes, sobretudo dos xilógrafos. Quando repito que Juazeiro é um mundo, me ocorre a sensação de que um dos motivos reside na existência de Inocêncio da Costa Nick, Mestre Noza - um dos artesãos do Padre Cícero. A oportunidade que se abriu com a celebração do centenário de Inocêncio da Costa Nick, Mestre Noza, em 1997, ao meu ver, ensejou uma dupla realização. Em primeiro lugar porque se deu uma ampla divulgação, conhecimento, estudo e pesquisas acerca deste artista do povo, sobretudo no que ele pôde, mesmo inconscientemente, alicerçar no panorama das artes populares de uma larga extensão desta terra, e que transcende em muito ao Cariri cearense. Um segundo acontecimento lhe foi conseqüente: não se pode permitir que, face as modernas tecnologias desenvolvidas e tão ao nosso alcance, não se protele uma ampla discussão sobre o estado da arte entre nós, particularmente sobre a literatura de cordel, xilogravura e demais manifestações, pois como já previa há 30 anos atrás uma pesquisa do Instituto Joaquim Nabuco, “se a resistência dos artesãos de Juazeiro do Norte em relação a um programa de desenvolvimento, efeito de certa descrença nos órgãos governamentais, esta resistência será facilmente removida, se eles sentirem melhoria de renda como conseqüência imediata da inovação tecnológica”, conforme registra Sílvio Rabello. Penso, finalmente, que Mestre Noza por sua contribuição oferecida à cultura popular, é sem dúvida, a expressão mais legítima para patrocinar um amplo debate acerca da nossa atualidade. Não será inconveniente lembrar que o novo enfoque manifestado por novos gestores municipais, sobretudo na formação de suas equipes de secretários municipais para a cultura, as novas administrações do Memorial Padre Cícero, da Universidade Regional do Cariri, da Associação dos Artistas e Amigos da Arte - AMAR e demais segmentos interessados no desenvolvimento cultural, como ICVC, IPESC, etc, parecem nos sugerir que se avaliza como prioritária uma revisão de todas as ações pela cultura popular.
(Texto elaborado por Renato Casimiro, para publicação da Fundação Joaquim Nabuco, Recife, Abril-2001)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, OSWALD - Noza, O Imaginário do Padre Cícero. Jornal O POVO, Fortaleza, CE, 20.05.1984.
---------------------------  -  Mestre Noza. Artesão ou Artista Popular ?  Jornal O POVO, Fortaleza, CE, 19.03.1985.
----------------------------  -  Romeiros. Secretaria de Cultura, Turismo e Desporto/URCA, 1989. 134p.
CARIRY, ROSEMBERG & BARROSO, OSWALD - Cultura Insubmissa (Estudos e Reportagens). Nação Cariri Editora, Fortaleza, CE, 1982. 268p. Ilustrado.
CARVALHO, GILMAR de. Vias Sacras de Juazeiro do Norte, CE. Catálogo da Exposição. Casa da Xilogravura, Campos do Jordão, SP, 1992.
----------------------------------. Publicidade em Cordel - O Mote do Consumo. Editora Maltese, São Paulo, SP, 1994. 205p. Ilustrado.
----------------------------------.  Vias Sacras de Juazeiro do Norte - CE. Catálogo da Exposição. Casa da Xilogravura, Campos do Jordão - SP/Governo do Estado do Ceará, 1992. 4p. Ilustrado.
CASIMIRO, RENATO - Juazeiro é um Mundo (I) NOZA. Jornal Folha da Manhã, Juazeiro do Norte, CE, 15.08.1996.
----------------------------- -  Juazeiro é um Mundo. Fundação Vingt-Un Rosado, Mossoró, RN, 1997, 137p.
----------------------------- - Paris, Noza. Jornal  do Cariri, Juazeiro do Norte, CE, 15.08.1996.
----------------------------- - Mestre Noza, centenário. Palestra proferida no dia 26 de Fevereiro de 1997, no Memorial Pe. Cícero, em Juazeiro do Norte, por ocasião do Simpósio “100 Anos de Mestre Noza”.
CASIMIRO, VÍTOR - Cem Anos de Mestre Noza.  Jornal O POVO, Fortaleza, CE, 27.02.1997.
COIMBRA, SILVIA RODRIGUES et al.- O Reinado da Lua - Escultores Populares do Nordeste.  Ed. Salamandra, Rio de Janeiro, RJ, 1980, 305p. Ilustrado.
COSTELLA, ANTONIO - Introdução à Gravura e História da Xilografia. Ed. Mantiqueira, Campos de Jordão, SP, 1984. 127p. Ilustrado.
ELOY, EDUARDO et al. - Tauape Xilogravuras. Imp. Universitária, Fortaleza, CE, 1996. 75p. Ilustrado.
ESMERALDO, SÉRVULO - Encontro de Sérvulo Esmeraldo e Mestre Noza.  Jornal O POVO, Fortaleza, CE, 27.02.1997.
FIRMEZA, NILO(ESTRIGAS) - Artes Plásticas no Ceará (Síntese Histórica - Contribuição à História da Arte do Ceará). Cadernos NUDOC, série História nº14. Edições UFC, Fortaleza, CE, 1992. 63p. Ilustrado.
FRANCO, MARIA EUGENIA - Via Sacra - Mestre Noza. (Catálogo). In LUYTEN, JOSEPH M., Bibliografia Especializada Sobre Literatura Popular em Verso, ECA/USP, São Paulo, SP, sd. 104p.
 FUNARTE/INSTITUTO NACIONAL DO FOLCLORE - Pequeno Atlas de Cultura Popular do Ceará - Juazeiro do Norte. Edições UFC, Fortaleza, CE, 1985. 89p. Ilustrado.
------------------------------------------------------------------- -  Centro de Cultura Popular de Juazeiro do Norte - CE. Catálogo da Exposição Permanente. MEC-FUNARTE,RJ/Pref. Municipal de Juazeiro do Norte, CE, 1985, 20 p.
GALVÃO, ROBERTO - Uma Visão da Arte no Ceará. GRAFISA, Fortaleza, CE, 1987. 128p. Ilustrado.
GRÉLIER, ROBERT - As Crostas do Sol.  Editora Index / Ed. Massangana, Rio de Janeiro, RJ/ Recife, PE. 1995. 168p. Ilustrado.
LEITE FILHO, ALEIXO - Noções de Folclore. Edição do autor, Recife, PE, 1994. 189p. Ilustrado.
NICK, INOCÊNCIO DA COSTA  - Via Sacra (14 Bois Originaux gravés par Mestre Noza, accompagnès du Recit de la Croix de Jesus-Christ et d’une Oraison populaire bretonne du XVIème  siècle). Ed. Robert Morel.  Paris, 1965.
-------------------------------  -  Via Sacra.  Ed. César (Ed. Júlio Pacello), São Paulo, SP, 1969.
-------------------------------  -  Via Sacra.  Ed. Arte do Cordel. Galeria Ranulfo. Recife, PE., 1974.
-------------------------------  -  Via Sacra.  Aderson Medeiros, ed. Fortaleza, CE., sd.
-------------------------------  -  Via Sacra.  Rede Globo Nordeste, Recife, PE., sd.
-------------------------------  - Os Doze Apóstolos, gravado por Mestre Noza. Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil, 1962. Museu de Arte da UFC, Fortaleza, CE, 1976.
-------------------------------  -  Vida e Morte de Lampião. Gravuras de Mestre Noza. Versos de Delarme Monteiro. Casa das Crianças de Olinda, PE. 22p. 1974.
-------------------------------  -  Vida de Lampião Virgulino Ferreira, gravado por Mestre Noza, Juazeiro, Ceará Brasil, 1962. Museu de Arte da UFC, Fortaleza, CE, 1979.
PONTUAL,ROBERTO - Dicionário de Artes Plásticas no Brasil. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro,RJ,1969. Ilustrado.
PORTO ALEGRE, SYLVIA - Mãos de Mestre: Itinerários da Arte e da Tradição. Ed. Maltese, São Paulo, SP, 1994. 155p. Ilustrado.
RABELLO, SYLVIO - Os Artesãos do Padre Cícero (Condições Sociais e Econômicas do Artesanato de Juazeiro do Norte). MEC - Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais/ Imprensa Universitária, Recife, PE, 1967. 179p. Ilustrado.
RIBEIRO SOBRINHO, VICENTE - Juazeiro no Túnel do Tempo. HB Editora e Gráfica, Juazeiro do Norte, CE, 1996, 168p.
SOBREIRA, GEOVÁ - Xilógrafos de Juazeiro. Edições UFC/PROED, Fortaleza, CE, 1984. 130p. Ilustrado.

ACERVO

1.      Álbuns
1962: Os Doze Apóstolos (MAUC-UFC)                                                              
1962: Vida de Lampião (MAUC-UFC)                                                                 
1962: Via Sacra (MAUC-UFC)                                                                              
1965: Via Sacra (I), Robert Morel-Paris                                                                 
1965: Via Sacra (II), Robert Morel-Paris                                                                
????: Via Sacra (III), Júlio Pacello-SP                                                                   
1992: Via Sacra (IV), 4ª CR IBPC/IPHAN                                                
????: Via Sacra (V), Galeria Ranulfo-Recife                                                          
1977: Via Sacra (VI), Rede Globo                                                                         
????: Via Sacra (VII), Aderson Medeiros                                                              
????: Via Sacra (VIII), Unifieo-SP
1973: Os Doze Apóstolos (Calendário-UFC)                                                         
                                                                                 
2.      Capas de Folhetos de Cordel: Muitas. Vale mencionar algumas inseridas em SOBREIRA (1984).
                                                                                 
3.      Esculturas em madeira
3.1  Relação da Coleção Renato Casimiro, doada ao MAUC – Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará, em 2011) (Título e dimensão-cm)





1.Padre Cícero........................

15,0

31. São Caetano........................

18,0
2.Velho...................................
15,0
32.Sta Isabel..............................
18,0
3.São Gabriel..........................
15,5
33.São Jacó I.............................
18,0
4.São Francisco......................
15,5
34.São Vítor..............................
18,0
5.Beata Maria de Araújo.........
16,0
35.Sta.Joana..............................
18,5
6.Sta. Luzia............................
16,0
36.São Jacó II...........................
18,5
7.Antonio Conselheiro............
16,5
37.São João...............................
18,5
8.São Gonçalo........................
16,5
38.São Geraldo..........................
18,5
9.São João..............................
16,5
39.Sto.André.............................
18,5
10.São Mateus........................
16,5
40.São Bartolomeu....................
19,0
11.SãoSebastião......................
17,0
41.Sagrado Coração de Jesus....
19,0
12.Sta. Rita.............................
17,0
42.Sto Inácio.............................
19,5
13.Sto. Expedito.....................
17,0
43.Sto.Onofre............................
20,0
14.Sta.Filomena......................
17,0
44.São Manoel..........................
20,5
15.Sta. Ana.............................
17,0
45.São Silvestre.........................
20,5
16.(Não identificado)..............
17,5
46.São Tadeu............................
21,0
17.Sta.Águeda........................
17,5
47.São Cosme...........................
21,0
18.Sta.Clara............................
17,5
48.São Damião..........................
21,0
19.Sto. Tomás.........................
17,5
49.Maria Bonita.........................
21,0
20.São Rufino.........................
17,5
50.São Luiz...............................
21,5
21.Sta. Antonio.......................
17,5
51.São Lourenço.......................
21,5
22.São Benedito......................
17,5
52.São Pedro.............................
21,5
23.São Raimundo....................
17,5
53.Nossa Senhora das Dores.....
21,5
24.São Simão..........................
17,5
54.Nossa Sra. da Conceição......
22,0
25.São José.............................
17,5
55.São Paulo.............................
22,0
26.(Não identificado)...............
18,0
56.Lampião...............................
22,0
27.Sta Rosa.............................
18,0
57.São Bento............................
22,5
28.São Severino......................
18,0
58.Nossa Sra. do Socorro..........
25,5
29.São Judas...........................
18,0
59.Homem.................................
26,5
30.São Felipe..........................
18,0



3.2  Outros: Em diversas coleções particulares, pelo mundo.

4.      Tacos: Em diversas coleções particulares, pelo mundo. Vale mencionar aqui a bela coleção do MAUC-UFC, Fortaleza, com acesso virtual através de: http://www.mauc.ufc.br/cgi-bin/acervo/xilo/noza.cgi?pagina=1